(...) eles passarão. Eu passarinho.

Grace

Você pode até pensar ou dizer que eu não sou uma boa menina, mas o tal destino provocou-me a ser essa aqui estampada no mundo. Eu sempre avisei que eu seria uma boa menina, nada de ânsias, de desespero, preocupações. Eu me comportaria e procuraria a solução de tudo, o caso é que as coisas não funcionam bem aos desejos do papai. 
Um dia, assim como quem nada quer, eu decidi ir em direção ao jardim, talvez para mirar bem os pássaros com meu badoque, ou sair correndo atrás das borboletas. Mas nada disso foi possível, o maldito do jardineiro, que poderia muito bem ter abusado de mim, procurado meu corpo infantil, preferiu cavar e o buraco era maior que eu. 
Lá eu fiquei, oito dias. O imbecil do papai nunca pensou em procurar-me por lá e eu tive que sobreviver. Não me bastasse aturar aquela vidinha maldita, eu ainda tinha que sobreviver dentro de um buraco, mas dentro ou fora daria no mesmo.
Nos primeiros dias eu suportei a fome e a cede, nem pensei em gritar, gastaria toda minha beleza e paciência. Esperei algum bicho cair no buraco, assim como eu caí (tola), mas ele seria a minha presa. No terceiro dia eu comecei a comer as formigas, na minha boca elas tinha gosto de amora, tinha que ser amora pra eu me sentir alimentada. No sexto dia eu já estava fraca, o suficiente para comer até um passarinho, mas eu não tinha essa sorte. Como eu queria comer um passarinho! Continuei nas formigas e depois encontrei algumas minhocas. 
Quando papai me encontrou eu estava desacordada, me lembro de ter acordado no meu quarto, a Doce, minha boneca, estava de olhos em mim. A babá do meu lado sorridente e eu com um humor de quando nasci, não tô pra graça. Pedi água e algo pra comer. Sopa era meu prato odiável e o papai fazia questão de alimentar-me assim, nessas horas eu desejava ter a mamãe por perto. Mas ela teve que partir, papai me contou que ela tentou matar uma criança, disse que era louca. A criança era eu e hoje eu fico pensando, maldita seja a mamãe, esperou eu cair num buraco pra depois me matar. Vida!

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